terça-feira, 31 de março de 2009

Cotidiano


Por Gustavo Miranda. Cansado no fim do dia, você sai da faculdade e caminha consideráveis quinze minutos até o ponto de ônibus e quando lá chega pensa: - Ufa, finalmente vou pra casa! Espera alguns instantes até vir a condução. Esta quando abre a porta revela uma verdadeira muralha de pessoas, todos super aglutinados, se apertando para aproveitar até o último metro quadrado. Você olha para o relógio e pensa se espera o próximo ônibus ou não. Lembra das milhares de coisas que tem pra fazer e que por isso não pode perder tempo. Respira fundo e enfrenta o batalhão que se encontra a sua frente. Até chegar a roleta é uma luta e ao passá-la você visualiza um mínimo espaço sobrando lá nos fundos e parte pra lá. Levanta a mochila e sai empurrando e batendo em todo mundo! Agora é só esperar chegar ao destino.
Horas antes, na Avenida Presidente Castelo Branco, em frente à estação de metrô São Cristóvão, um consciente cidadão, ao visualizar um vazamento de esgoto, liga para CEDAE e informa que está havendo um vazamento de consideráveis proporções na avenida. A empresa, com toda sua eficiência, responde que o mais rápido possível irá solucionar o problema. A mesma contata com a Prefeitura que disponibiliza dezenas de homens para proteger a ação e organizar o trânsito. Em alguns instantes máquinas e homens chegam e isolam o local. Os funcionários, muito instruídos, fecham metade da avenida no sentido Zona Norte às cinco horas da tarde, já de início uma ação não muito inteligente. Então, a larga e movimentada avenida encontra-se com metade de suas pistas bloqueadas. E a outra metade? A outra metade é ponto para vários ônibus de várias linhas, ou seja, o trânsito não flui por esse lado. Resultado, mal eles chegaram pra iniciar o trabalho e o trânsito já estava congestionado.
Você está no seu aperto dentro do ônibus, morrendo de calor e de fome, cheio de dor nas costas por causa do peso da mochila quando de repente o ônibus pára e não anda mais ou então anda a passos lentos. Você espera que seja algum sinal fechado ou alguma coisa corriqueira. Até que você percebe a presença dos inúteis funcionários da prefeitura. Sim, eles são inúteis porque com o trânsito todo parado e nenhum carro com possibilidades de se movimentar, eles ficam fazendo sinal pra eles andarem e dando dicas pros motoristas, ou seja, esses indivíduos não indicam que boa coisa vem pela frente. Aquele maldito vazamento transformou essa parte da cidade num caos.
Depois de mais de meia hora andando a passos de cágado, uma pessoa pede para segurar sua mochila e você sem nem pensar duas vezes a entrega na dúvida dela mudar de idéia. Essa alma solidária só fez isso porque você está há um bom tempo socando a bolsa na face dela! De repente, um súbito milagre acontece: o ônibus dispara, sai correndo sem nenhum impedimento. Você se alegra novamente e pensa: -Ufa, finalmente vou chegar casa!
Uma regra: sempre que pensamos que uma coisa boa está acontecendo, ela para de acontecer. Seu ônibus continua a caminhar rumo à Zona Norte até alcançar a famigerada Rua 24 de Maio. Naturalmente essa data não nos remete a coisas boas. Nesse dia e mês em 1337 iniciou-se a Guerra dos Cem Anos, em 1886 ocorreu a Batalha de Tuiuti (Guerra do Paraguai) e, o pior de tudo, é o dia do vestibulando. Outra vez o ônibus reduz a velocidade e progressa lentamente pela longa e estreita rua. Dessa vez você desiste de toda sua programação e a única coisa que quer fazer ao chegar em casa, depois de quase duas horas, é comer e dormir.
Este é somente um exemplo da grande desordem urbana que a cidade do Rio de Janeiro oferece diariamente a seus cidadãos que devido a diversos fatores, são obrigados a morar longe de sua faculdade, escola ou trabalho. Que o nosso governante recém empossado tente de alguma maneira resolver esse caos a que somos submetidos. Que ele ao menos tente.

Gustavo Silva de Miranda é graduando em Ciências Biológicas pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro – UNIRIO, e estagiário no Laboratório de Insetos Aquáticos – UNIRIO.

domingo, 29 de março de 2009

Madame Butterfly

Por Bruno Tinoco. Passaram-se 3,8 bilhões de anos desde que surgiu no planeta a primeira bactéria primitiva, e ainda não nos demos conta da incrível biodiversidade que se formou na Terra desde então. São mais de 34 filos descritos no reino animal, nos quais podemos encontrar uma variedade surpreendente de adaptações à vida nos mais distintos ambientes.
No curso da evolução, um grupo específico de animais parece ter conquistado adaptações que lhe possibilitou a maior representação de espécies entre todos os demais grupos do reino animal, os artrópodes. Inúmeras conquistas adaptativas podem ser creditadas a semelhante sucesso, mas, em especial, um grupo (uma ordem, em linguagem taxonômica) nos chamou mais a atenção e essas breves linhas foram inspiradas nele, os Lepidoptera, grupo das borboletas e mariposas.
As borboletas frequentemente são alvo de inspirações artísticas, científicas, filosóficas e até poéticas. É uma justa apologia em vista da incrível biologia desses animais, com os quais, aos poucos, vamos aprendendo.
Os integrantes do grupo das borboletas são organismos holometábolos, isto é, possuem metamorfose completa e desenvolvimento indireto. Em outras palavras, um afastamento drástico dos padrões corpóreos de desenvolvimento durante seu ciclo de vida.
O ciclo de vida desses organismos pode ser resumido em ovo, larva, pupa (ou crisálida) e indivíduo adulto (ou imago). No caso das borboletas, a larva é a lagarta, cuja morfologia vermiforme nem de longe lembra o delicado indivíduo adulto. A lagarta passa por alguns estágios de desenvolvimento antes de se tornar pupa, alimentando-se e crescendo. O alimento das larvas pode ser – e quase sempre é – completamente diferente daquele explorado pelos adultos, sendo as peças bucais da lagarta e da borboleta de tipos diferentes (mastigador e sugador, respectivamente), evitando, desta forma, a competição pelos mesmos recursos alimentares na natureza. Este inusitado fato para nossa compreensão pode ser o maior responsável pelo enorme sucesso deste grupo no planeta, já que 80% dos insetos possuem desenvolvimento holometábolo. Segundo Barnes (2005) o desenvolvimento da holometabolia teve um enorme significado adaptativo na evolução dos insetos, em parte por permitir que as larvas utilizem diferentes fontes de alimento, hábitats e estilos de vida quando comparadas aos adultos, dessa forma reduzindo ou eliminando a competição entre os estágios do ciclo de vida.
No estágio seguinte ao de lagarta, a pupa, as borboletas são capazes de nos surpreender ainda mais com uma transformação quase hollywoodiana. Dentro da pupa, a larva sofre metamorfose, durante a qual seus órgãos são destruídos e as estruturas dos adultos se desenvolvem novamente, tal qual a fênix da mitologia grega e egípcia. A transformação se dá devido à presença de células embrionárias de reserva, denominadas discos imaginais. As asas embrionárias desenvolvem-se internamente a partir dessas células, sendo que, nas lagartas, não encontramos precursores desta estrutura. As asas aparecem, desta forma, como uma novidade, assim que a borboleta emerge da pupa. A partir de então surge um dos mais belos e inspiradores animais da natureza.
Na condição de amantes da Biologia Molecular, fascina-nos o fato de todas essas transformações e adaptações à vida serem armazenadas dentro de um mesmo genoma! Uma única célula de uma borboleta contém todas as informações genéticas necessárias para geração de toda essa diversidade de formas durante seu ciclo de vida. É até plausível a discrepância observada durante o desenvolvimento desses animais se assumirmos a expressão diferencial de genes em momentos distintos do ciclo de vida. Isso não significa, porém, que somos ainda capazes de explicar todos os mecanismos pelos quais esses organismos passam, e, muito menos, que nosso ainda escasso conhecimento da Biologia Molecular é capaz de ofuscar magnífico resultado de milhões de anos de evolução.
A evolução está diretamente associada à mutação, que significa alteração na sequência do DNA, e, para a ciência, essas alterações que acarretam em organismos mutantes são geradas ao acaso. Dependendo de onde essa alteração ocorra no DNA, ela pode ser prejudicial, benéfica ou não causar qualquer implicação bioquímica ou fenotípica. Isso significa, pois, que durante milhões de anos as borboletas sofreram alterações em seu material genético que lhes possibilitaram uma infinidade de variações. Esta variabilidade está relacionada com estratégias de defesa contra a predação, como sabor desagradável e o mimetismo motivado pela pigmentação nas asas. De fato, pensar cientificamente não é tarefa simples, mas certamente é a maneira mais segura de tentar responder as questões da natureza.
Enquanto nós, seres humanos, destruímos nosso planeta sem qualquer consideração, as borboletas ainda cooperam para a biodiversidade do reino vegetal, pois são poderosos agentes polinizadores. E o que de melhor uma espécie pode fazer pela outra, além de contribuir para a manutenção da vida?
Diante de tudo isso, é incrível saber que a espécie humana convive neste planeta com espécies tão surpreendentes como a borboleta. Deveria ser uma honra para nós. Talvez por isso os grandes sábios de outrora tinham por hábito contemplar a natureza, como num ato de profundo respeito e admiração. Acho que eles compreendiam o que nós, até agora, não entendemos.

Bruno Tinoco Nunes é graduando em Ciências Biológicas pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro – UNIRIO, e aluno de Iniciação Científica da Fundação Oswaldo Cruz – FIOCRUZ

Poderá também gostar de:

Related Posts with Thumbnails